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A crise de asma aguda é responsável por cerca de 2% das admissões em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Cerca de metade desses pacientes requerem suporte ventilatório mecânico invasivo nas primeiras 24 h, com mortalidade hospitalar de cerca de 10%. Trata-se de pacientes jovens (média de aproximadamente 40 anos) e com maior prevalência do sexo feminino. Os fatores associados ao uso da ventilação mecânica, corrigidos para o escore de gravidade APACHE II, são parada cardiorrespiratória antes da admissão hospitalar, lesão neurológica, hipoxemia e hipercapnia. O principal fator associado à mortalidade hospitalar da crise asmática é a parada cardiorrespiratória antes da admissão hospitalar e esforços devem ser feitos no sentido de prevenção desses episódios.(1,2)
É importante salientar que, ao contrário de outras áreas da ventilação mecânica, as recomendações para manejo da crise asmática baseiam-se em um número modesto de estudos fisiológicos, com amostras relativamente pequenas de pacientes. Essas recomendações são baseadas na prevenção de iatrogenias, como o barotrauma, que estavam associadas a complicações graves e ao óbito. Como será apresentado abaixo, a aplicação de estratégias protetoras de ventilação e a hipercapnia permissiva reduziram a taxa de mortalidade desses pacientes.
Indicações da ventilação mecânica invasiva
As principais indicações para intubação traqueal e ventilação mecânica na crise de asma aguda são:(3,6-9)
• parada respiratória ou cardiorrespiratória;
• esforço respiratório progressivo e sinais de fadiga;
• alteração grave do estado de consciência (agitação ou sonolência);
• retenção progressiva de gás carbônico; e
• hipoxemia não corrigida pela suplementação de oxigê-nio com máscara (PaO2 < 60 mmHg ou SaO2 < 90%).
Objetivos da ventilação mecânica
São os objetivos do suporte ventilatório na crise asmática aguda:
• Diminuir o trabalho respiratório imposto pelo aumento de resistência das vias aéreas e pelos níveis crescentes de hiperinsuflação durante a crise grave;(3,4)
• Evitar barotrauma, mesmo que para isso seja necessária a utilização da hipoventilação controlada ou hipercapnia permissiva. Essa estratégia tem reduzido a mortalidade associada à ventilação mecânica na crise de asma aguda, em séries de casos ventilados com hipercapnia permissiva, comparados à ventilação convencional;(3,5) e
• Manter a estabilidade do paciente, enquanto o tratamento medicamentoso, com broncodilatadores e corticosteróides, reduz a resistência das vias aéreas, revertendo a crise de asma e permitindo que o paciente reassuma a respiração espontânea.
O suporte ventilatório na crise asmática pode ser invasivo (intubação traqueal) ou não invasivo. O suporte ventilatório não invasivo na crise asmática é detalhado no presente Consenso no capítulo referente à Ventilação Não Invasiva.
Modo ventilatório
Recomendação: Não há dados que determinem superioridade da ventilação com pressão controlada sobre a ventilação com volume controlado, ou vice-versa. No entanto, a ventilação com pressão controlada, com a monitorização do volume corrente expirado, oferece mais segurança para os pacientes em crise de asma aguda, minimizando os riscos de ocorrência de auto-PEEP e barotrauma.
Grau de recomendação: D
Comentário: Embora o controle da hiperinsuflação possa ser alcançado e controlado mais facilmente com o modo pressão-controlada, ele também pode ser obtido com ajustes adequados e monitoração da ventilação em modo volume-controlado. Por outro lado, na pressão-controlada, a piora na mecânica pulmonar pode comprometer a ventilação, assim como a melhora (tratamento do quadro obstrutivo) pode levar a aumentos indesejáveis do volume corrente, exigindo, portanto, o mesmo nível de monitoração para detecção e correção dessas eventuais alterações. É fundamental que a equipe responsável esteja completamente familiarizada com o modo ventilatório a ser empregado.(10-13)
Ajuste dos parâmetros ventilatórios
Recomendação: Os parâmetros ventilatórios devem ser ajustados para minimizar a hiperinsuflação pulmonar, o que pode ser conseguido com a redução do volume minuto e o prolongamento do tempo expiratório.
Grau de recomendação: C
Comentário: A crise de asma caracteriza-se por grande aumento da resistência das vias aéreas, decorrente de broncoespasmo, inflamação nas paredes e acúmulo de secreção na luz brônquica. A hiperinsuflação que se instala tem importante papel na fisiopatologia da crise de asma e constitui um dos principais pontos a serem considerados na ventilação mecânica. A hiperinsuflação reduz o retorno venoso e pode, por compressão dos capilares pulmonares, aumentar a resistência na circulação pulmonar. Com isso, pode haver queda do débito cardíaco e hipotensão arterial. Além disso, como o aumento de resistência nas vias aéreas não é homogêneo, áreas menos envolvidas podem receber grandes volumes de ar (gerando altas pressões transalveolares) durante a ventilação corrente e podem romper-se, gerando barotrauma. A hiperinsuflação também impõe maior trabalho respiratório ao paciente, incluindo maior trabalho elástico, contração muscular inspiratória para vencer a auto-PEEP antes de se ter movimentação de ar para os pulmões e contração da musculatura expiratória para auxiliar a exalação. Por fim, a hiperinsuflação altera a curvatura do diafragma, conferindo-lhe menor eficiência. Todos esses efeitos deletérios da hiperinsuflação justificam o ajuste dos parâmetros da ventilação mecânica com o objetivo de minimizá-la.(14,15)
Os principais parâmetros a serem ajustados incluem:
Volume corrente
Recomendação: Utilizar volumes correntes baixos, de 5 a 7 mL/kg
Grau de recomendação: B
Comentário: Estudos de observação de resultados terapêuticos concluíram que a utilização de volumes correntes baixos (5 a 7 mL/Kg) em crises de asma aguda, com conseqüente hipercapnia permissiva, diminuiu a mortalidade, se comparados com pacientes que foram ventilados de maneira convencional (volume corrente acima de 10 mL/Kg).(5)
Pressões inspiratórias
Recomendação: Deve-se manter a pressão de pico inspiratório abaixo de 50 cmH2O e a pressão de platô abaixo de 35 cmH2O ou a medida de auto-PEEP < 15 cmH2O para se evitar a hiperinsuflação e ocorrência de barotrauma com suas conseqüências.
Grau de recomendação: B
Comentário: Estudos de observação de resultados terapêuticos concluíram que níveis de pressão de platô acima de 35 cmH20 e de auto-PEEP acima de 15 cmH20 estavam relacionados à maior incidência de barotrauma.(16,17)
Freqüência respiratória
Recomendação: Utilizar freqüência respiratória entre 7 e 11 incursões por min.
Grau de recomendação: B
Comentário: Na fase inicial da ventilação (modo controlado, paciente profundamente sedado), estudos mostram que freqüências maiores que 11 incursões por minuto em pacientes em crise de asma aguda e em ventilação mecânica estão associadas à ocorrência de hiperinsuflação dinâmica e maior risco de barotrauma.(14,16,17)
Fluxo inspiratório
Recomendação: Utilizar fluxos inspiratórios elevados – acima de 60 L/min –, se estiver ventilando em modo volume controlado (os modos limitados à pressão caracterizam–se por fluxos inspiratórios livres que atingem essa magnitude). Deve-se estar atento para os limites de pressão nas vias aéreas (item Pressões inspiratórias).
Grau de recomendação: B
Comentário: No modo volume controlado, o uso de fluxos elevados permite um tempo inspiratório mais curto, maximizando o tempo expiratório (tempo expiratório entre 4 e 5 s).(13) Note que o aumento do fluxo inspiratório causa aumento da pressão de pico nas vias aéreas, em função do aumento da pressão resistiva. Porém, a pressão de pico parece não ser fator de risco para barotrauma, pois ela não se transmite diretamente aos alvéolos, ao contrário da pressão de platô que deve representar a pressão alcançada nos alvéolos ao final de inspiração.
É necessário observar que, quando o volume minuto for baixo, o aumento do tempo expiratório obtido pela elevação do fluxo inspiratório não causa desinsuflação pulmonar significativa.(16-18)
Fração inspirada de oxigênio (FIO2 )
Recomendação: A fração inspirada de oxigênio deve ser ajustada com base na gasometria arterial ou na oximetria de pulso, devendo-se usar a menor FIO2 que mantenha a SaO2 acima de 95%.
Grau de recomendação: D
Comentário: Habitualmente pacientes com asma não têm dificuldade de oxigenação e baixas FIO2 são suficientes. Se ocorrer hipoxemia, verificar presença de atelectasias, pneumotórax e/ou pneumonias concomitantes ou ainda presença de shunt intracardíaco direita–esquerda.(3) É importante também medir a autoPEEP, de modo a excluir a hiperinsuflação dinâmica como causa de hipoxemia.
Pressão positiva ao final da expiração (PEEP)
Recomendação: A PEEP poderá ser utilizada em casos seletos de crise de asma aguda, como uma tentativa de desinsuflação pulmonar. Deve ser utilizado em unidades especializadas e com monitoração adequada.
Grau de recomendação: C
Comentário: A aplicação externa de PEEP pode, por ação mecânica, manter maior calibre nas vias aéreas e, assim, reduzir a resistência ao fluxo de ar. Entretanto, pelas características não homogêneas dos pulmões, algumas áreas podem sofrer hiperinsuflação. Por isso, deve ser feita tentativa de aplicação de PEEP na crise de asma aguda com monitoração das curvas de fluxo, pressão e volume. Se, com o aumento da PEEP, ocorrer desinsuflação, ela poderá ser aplicada. Se, pelo contrário, ocorrer hiperinsuflação, deverá ser evitada. Caso se opte pela tentativa de aplicação de PEEP externa, orienta-se a ventilação com modalidades limitadas à pressão, fixando-se o diferencial de pressão utilizado. Assim, à medida que se aumenta o valor da PEEP, monitora-se o volume corrente exalado. Se este se reduzir, é sinal de que está havendo piora na hiperinsuflação e a PEEP deverá ser reduzida. Se, por outro lado, o volume exalado aumentar, a PEEP está ocasionando desinsuflação pulmonar e pode ser mantida.(19)
Hipercapnia permissiva
Recomendação: A elevação da PaCO2 para valores acima do normal (até 90 mmHg), com pH acima de 7, pode ser tolerada durante a ventilação mecânica na asma, caso seja necessária para minimizar a hiperinsuflação pulmonar.
Grau de recomendação: B
Comentário: Como discutido anteriormente, a hiperinsuflação pulmonar é deletéria na ventilação mecânica do paciente asmático e as estratégias capazes de minimizar esse problema podem levar à hipoventilação do paciente, com conseqüente retenção de gás carbônico. Geralmente, a hipercapnia é bem tolerada e, pelos benefícios de se controlar a hiperinsuflação, deve ser aceita. Em situações de acidose grave, pode-se neutralizar o pH com o uso de bicarbonato em infusão lenta.(3,8,9,20)
Monitoração da mecânica pulmonar
Recomendação: A monitoração da mecânica respiratória e da hiperinsuflação pulmonar é aconselhável na crise asmática. Os principais parâmetros a se avaliar são: pressão de platô, pressão de pico, autoPEEP e volume pulmonar ao final da inspiração. A medida seriada da resistência das vias aéreas é útil para avaliar a resposta ao tratamento broncodilatador e antiinflamatório.(11,12,21)
Grau de recomendação: B
Abaixo estão comentários e graus de recomendação específicos para a monitorização de cada um desses parâmetros:
Pressão de Platô
Comentário: Apresenta melhor correlação com a hiperinsuflação, pois como não há comprometimento importante da complacência do sistema respiratório na asma, sua elevação decorre do aprisionamento de ar nos pulmões, dando uma estimativa do autoPEEP presente nas diversas unidades alveolares heterogeneamente acometidas. Recomenda-se que ela seja mantida no menor valor possível, lembrando-se dos limites de 35 cmH2O para diminuição de risco de barotrauma.(12,16,17)
Grau de recomendação: D
Pressão de pico
Comentário: A medida isolada da pressão de pico não traz informações adequadas sobre a presença e a magnitude da hiperinsuflação, pois seu valor sofre grande influência da relação entre a resistência das vias aéreas (incluindo a cânula traqueal) e o fluxo inspiratório. Assim, por exemplo, elevações do fluxo podem reduzir a hiperinsuflação e, ao mesmo tempo, elevar a pressão de pico. Apesar das limitações, em geral, orienta-se mantê-la abaixo de 50 cmH2O.(12,16,17)
Grau de recomendação: D
Auto-PEEP
Comentário: A medida da autoPEEP também traz informações sobre a hiperinsuflação. A forma mais prática de se medir a autoPEEP é a estática, através da manobra de oclusão da válvula de exalação ao final da expiração, retardando-se o início do próximo ciclo respiratório. Essa medida requer que o paciente não execute esforço respiratório e expressa a média das pressões alveolares ao final da expiração de diferentes unidades em contato com as vias aéreas proximais (autoPEEP estático). A autoPEEP deve ser mantida abaixo de 15 cmH20 para se diminuir a chance de ocorrência de barotrauma.(12,16,17)
Grau de recomendação: D
Volume pulmonar ao final da inspiração
Comentário: É a técnica mais fidedigna de avaliação da hiperinsuflação pulmonar, mas seu uso é limitado pelas dificuldades de execução. Consiste na medida do volume de ar exalado durante um longo período de apnéia, até que nenhum fluxo expiratório seja detectado. Este compreende o volume corrente ofertado no ciclo anterior mais o volume adicional resultante da hiperinsuflação. Já se demonstrou que quando esse volume foi inferior a 1,4 L não se observaram complicações decorrentes de hiperinsuflação.(12,16,17)
Grau de recomendação: C
Outros aspectos relacionados ao cuidado do paciente com crise asmática aguda em ventilação mecânica
Analgésicos e sedativos
Recomendação: Medicações que promovem liberação de histamina, como morfina e meperidina devem ser evitadas.
Grau de recomendação: B
Comentário: Resultados de estudos terapêuticos mostraram que morfina e meperidina podem liberar histamina, piorando as crises dos pacientes asmáticos, razão pela qual devem ser evitadas.(8,9,22,23)
Bloqueadores neuromusculares
Recomendação: Os bloqueadores neuromusculares devem ser evitados ou, se absolutamente necessários, devem ser utilizados pelo menor tempo possível.
Grau de recomendação: B
Comentário: Nas fases iniciais da ventilação mecânica na asma, para se alcançar o objetivo de minimizar a hiperinsuflação pulmonar, é fundamental o controle do volume minuto, o qual, muitas vezes, deverá ser mantido abaixo da demanda ventilatória do paciente. Eventualmente, pode ser necessária a suplementação da sedação com bloqueio neuromuscular. Como os bloqueadores neuromusculares podem levar à miopatia, sobretudo em pacientes que estão usando corticosteróide, eles devem ser aplicados pelo menor tempo possível (a duração do bloqueio neuromuscular parece relacionar-se com a ocorrência da miopatia).(24)
Tratamentos ventilatórios alternativos na crise asmática
Agentes anestésicos
Recomendação: Anestésicos inalatórios, como halotano, enflurano e isoflurano têm propriedades broncodilatadoras e podem ser considerados como terapia de resgate em crise asmática refratária. No entanto, dados sobre a segurança e a eficácia desses agentes em pacientes asmáticos são escassos.(25)
Grau de recomendação: C
Circulação extracorpórea
Recomendação: Em relatos anedóticos, o suporte de vida com circulação extracorpórea nas crises de asma aguda refratária tem sido utilizado com o intuito de manutenção da vida e da ventilação e oxigenação enquanto os pacientes se recuperam da crise aguda.(26-30)
Grau de recomendação: C
Mistura hélio-oxigênio (Heliox)
Recomendação: A mistura hélio–oxigênio (Heliox) reduz a pressão resistiva na via aérea, por redução da turbulência do fluxo de ar.(31) O uso dessa mistura em pacientes com crise asmática em ventilação mecânica foi estudado em um número pequeno de pacientes.(32-35) Pode ser usada como opção terapêutica em casos graves, porém com o cuidado de se aplicarem as fórmulas de correção para se obter FIO2 e volume corrente adequados,(36) pois esses diferem dos valores ajustados no respirador quando o Heliox é utilizado.(36,37),
Fonte com referenciasCoordenadora: Carmen Sílvia Valente Barbas
Relator: Bruno do Valle Pinheiro
Participantes: Arthur Vianna, Ricardo Magaldi, Ana Casati, Anderson José, Valdelis Okamoto
Espero que você tenha gostado da nossa abordagem.
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